Ainda na sequência do negócio da venda das barragens da EDP à ENGIE, aquele que foi um dos maiores negócios deste século em Portugal e que ainda não pagou impostos, no passado dia 21 de junho, seis Presidentes de Câmaras dos territórios envolvidos (Carrazeda de Ansiães, Miranda do Douro, Mogadouro, Moncorvo, Murça e Vimioso) reuniram, em Lisboa, com a Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Por um lado, pressionados pelas populações e pelo dever de as servir e, por outro lado, cientes de que a AT tem todos os elementos necessários à liquidação dos impostos devidos - Imposto do Selo, Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e IVA da produção de eletricidade -, os Presidentes quiseram saber o estado do processo, pois os municípios e as suas populações são os sujeitos ativos dos impostos e têm o direito inalienável de que a AT efetue a sua liquidação.
Considerando-se que a AT tem todos os dados necessários e suficientes para liquidar os impostos devidos, estranha-se que passados 18 meses praticamente não tenha "mexido uma palha" e, consequentemente, ainda não tenha efetuado a liquidação. Tudo parece estar quase como no início e o processo segue tão lento que até cansa. Poderia pensar-se que é apenas revelador do estado apático em que o país está mergulhado, mas o território cada vez mais despovoado não pode continuar a ser impedido de aceder ao que lhe pertence.
Apesar de tudo, pela primeira vez na história do processo, a AT não disse que os impostos não eram devidos. Porém, a lentidão é tal que, suponho, transparece a convicção de que, efetivamente, há a decisão de não cobrar os impostos e, face a essa decisão, há a aparente necessidade de apresentar pretextos para não o fazer, até cansar os sujeitos ativos dos impostos. Será que quem tem esta perceção é estúpido? Todos sabemos a resposta.
No essencial,
(i) ao nível do Imposto do Selo - o tal dos 110 milhões euros - o pretexto alegado pela AT passa pela necessidade de esperar pela investigação do Ministério Público, que, como se sabe, pode demorar anos - mas esperar para quê se a operação não se integra nos pressupostos de aplicação do artigo 60.º do Estatuto dos benefícios Fiscais sendo devido o imposto?
(ii) no caso do IMI - e, consequentemente, do IMT - o argumento assenta na necessidade de analisar os contratos de concessão depositados na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mas não sabemos quando serão analisados e, afinal, a coisa é mesmo tão simples - se as barragens estão inscritas no balanço da Movhera e estiveram no da EDP não são bens do Estado e estão, obviamente, sujeitas ao IMI; mas se, no caso limite, as barragens são bens do Estado então o negócio é nulo porque não podiam ser vendidas; qual a dúvida da AT?
(iii) relativamente ao IVA da produção da eletricidade, a escusa passa, imagine-se, pela necessidade de um simples quadro informativo dessa produção, que não se consegue compreender quando existirá - embora todos saibamos que existe -, porque, supostamente, a lei precisa de clarificação.
Ou seja, a vontade da AT em liquidar os impostos parece ser inversamente proporcional ao desejo dos sujeitos ativos dos impostos e às necessidades dos territórios crescentemente despovoados. Por isso, o processo faz lembrar a peça do Samuel Beckett, À Espera de Godot, onde duas criaturas aguardam por alguém que não chega, que nunca chega.
A cobrança de impostos que, repito, é convicção de reputados analistas serem devidos, beneficiaria toda uma região deprimida e serviria para promover a tão aclamada propaganda governamental de desejada coesão territorial, mas a AT (e, consequentemente, o Estado) tem optado por não os ter ainda liquidado. Ao contrário do apregoado pelo Presidente da República no 25 de abril, também neste caso transparece o objetivo político geral de proteger as Elites e amansar o Povo, tornando-o cada vez mais dependente do assistencialismo do Estado.
Acontece que os Presidentes das Câmaras envolvidas foram eleitos para defender os interesses das suas populações e acredito que o farão até ao limite das suas forças, usados todos os meios que o Estado de Direito lhes permitir, para que todos os impostos sejam liquidados e pagos.
O tempo de espera para a cobrança dos impostos devidos terminou e chegou a hora da AT parar de enrolar as populações, tendo de decidir de que lado está: ou do lado das empresas envolvidas no negócio ou do lado das populações, sendo certo que estas nunca abdicarão do que lhes pertence.
Óscar Afonso, professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Sócio fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF).