Num cenário em que os animais que existem no distrito nem chegam para abastecer os espaços comerciais, o preço da carne sobe todas as semanas, mas os criadores dizem que os aumentos não se reflectem nas suas carteiras
Preço da carne subiu nos talhos e nos supermercados, mas produtores dizem não estar a lucrar com os aumentos. A carne foi um dos bens alimentares que subiu de preço nos últimos tempos. Preços, em algumas carnes, que quase duplicaram. Aquilo que pagamos, hoje em dia, pelo quilo de carne, seja nas grandes superfícies ou nos talhos, é muito diferente daquilo que gastávamos, não há assim tanto tempo. A carne está mais cara, aparentemente, por causa dos custos de produção. Criar animais está, de facto, mais penoso. Mas será que os criadores estão a lucrar com toda esta escalada de preços? Possivelmente, não. Pelo menos é essa a ideia que alguns agricultores do distrito nos deixam.
ASAE fiscaliza supermercados
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica está nos supermercados a fazer aquela que designaram como “maior operação de fiscalização” dos preços praticados, com o intuito de perceber se o preço cobrado na caixa é superior ao marcado nas prateleiras. Da operação resultaram 25 processos-crime por especulação de preços e foram ainda instaurados 17 processos contra-ordenacionais. Segundo a Rádio Renascença, as principais infracções encontradas foram “o incumprimento das regras relativas a vendas com redução de preço, a prática de acções comerciais enganosas, a falta de afixação de preços, a falta de controlo metrológico em instrumentos de pesagem, o incumprimento na prestação da informação ao consumidor e a falta de informações obrigatórias na rotulagem de produtos alimentares”. A ASAE visitou 141 supermercados em todo o país.
Produtores “encurralados”
Nelson Preto é produtor de porcos de raça Bísara e tem ainda um restaurante em Bragança onde comercializa os leitões que produz. Além de criar os porcos, faz também fumeiros com as “porcas de refugo”. Vende-o para todo país, para lojas de gourmet, restauração e até a clientes finais. Com o aumento do custo de produção era de esperar que aumentasse também o preço do fumeiro, mas não o fizeram, porque arriscam-se a ter menos procura. E assim fica “entre a espada e a parede” já que se aumentar o preço, a procura diminuir e se manter o preço, os lucros diminuem. “Depois a procura para este tipo de produto que é um nicho de mercado já tem algum peso o preço por ser feito de forma tradicional, tem muito mais mão-de-obra, neste momento se vamos aumentar ainda mais o produto depois temos algum receio de que não tenha procura. Ficamos um bocadinho encurralados, ficamos um bocadinho prejudicados, esmagamos muito a margem de lucro”, afirmou, acrescentando que estão a “tentar aguentar o máximo de tempo possível” sem aumentar os preços. O mesmo acontece com o leitão. Um leitão inteiro assado custa aos seus clientes 120 euros. Em Portugal, este animal vivo é vendido a cerca de 70 euros. Pode-se imaginar que a margem de lucro ronda então os 50 euros, mas Nelson Preto explica que não é bem assim. “Ainda assim não compensa, porque até ir para o cliente final tem muitos processos e é assado a forno a lenha e tem muitos custos. Não é chegar aos 120 e subtrair a matéria-prima e está feito o lucro, não, tem muita mão- -de-obra por trás, a margem de lucro é muito pequena”, sublinhou. E aumentar o preço ao cliente também está fora de questão, uma vez que receia que com os tempos que correm, das pessoas terem menos poder de compra, deixem de comprar. “O leitão não sendo uma comida propriamente barata as pessoas optam por outras soluções e é esse o nosso medo e estamos aguentar os preços, não os aumentamos, não mexemos no preço desde 2020”, concluiu.
Produtores por amor à actividade
António Granjo é um dos maiores produtores de bovinos da raça Mirandesa. Tem 300 vacas. Vende os animais à Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa. Cada carcaça é paga a 6,2 euros, o quilo, mais 20 cêntimos que no ano anterior. Mas será suficiente? “Acaba por ser muito pouco, porque os custos de produção aumentaram muito, as ferragens, as máquinas, o gasóleo, e de maneira nenhuma foi compensado com a subida da carne”, frisou. Para o produtor, o preço de venda da carcaça devia ter aumentado à proporção do aumento dos custos de produção, ou seja, entre “30 a 40%”, o que “não aconteceu, de maneira nenhuma”. “Antes da pandemia o preço da carne não subia porque vinha muita carne importada de outros países da europa, porque para eles era mais fácil produzir e nós, de alguma maneira, não conseguíamos valorizar a nossa carne, que é muito boa, são raças autóctones. Agora não é bem paga porque o mercado não paga. Pelo menos a carne na produção subiu muito pouco”, criticou António Granjo. Quanto ao preço que é vendida a carcaça e ao preço que é comprado pelas grandes superfícies, que depois a vendem a preços bem mais altos, António Granjo considera que isso acontece porque há “um problema de regulação das entidades” e “principalmente em alturas de crise, em alturas mais complicadas a regulação devia funcionar muito melhor”. Questionado se ainda compensa ser produtor nos dias que correm, não tem dúvidas que “não” e “a prova mais evidente disso é que os jovens se vão afastando”. Só continua a manter a actividade por amor à cultura. E tal como António Granjo, também Luiz Vaz se mantém no activo, porque são poucos os novos que querem pegar no gado e os produtores, grande parte com mais de 50 anos, permanecem para não deixarem morrer a actividade. Há quase 30 anos que tem bovinos de raça Mirandesa e também vende os animais à Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa. Para o produtor o problema está nas grandes superfícies, porque são elas “que dominam o mercado todo” e “pagam mal”. “Os produtores foram sempre e continuam a ser os que ganham menos, enquanto não houver um controlo”, afirmou, acrescentando que “devia haver um controlo nos hipermercados”. – isto devia ser algo de destaque Luiz Vaz considera que o preço que é pago “não é justo” e que o ideal seria a criação de “um subsídio por carcaça que se abate, entre os 50 e os 60 euros”. Durante a pandemia foram os hipermercados os grandes compradores da carne, altura em que os restaurantes estiveram fechados. “E a que preço? Naquela altura desceram- -nos logo um euro por quilo”, criticou Luís Vaz. A Cooperativa Agro Pecuária Mirandesa está situada em Vimioso e trabalha todo o solar de raça do Planalto Mirandês. A carne que aqui abatida, grande parte é vendida a restaurantes, talhos, e apenas “17%” é comprada pelos hipermercados.
Talhos com preços mais apelativos que as grandes superfícies
Filipe Fernandes tem um talho em Bragança, junto à Praça da Sé. Percorreu, vários anos, algumas aldeias locais, mas há três que se fixou naquele espaço, onde o pai já tinha estado quase três décadas. Nesta vida há largas dezenas de anos, o talhante diz que nunca viu os preços da carne tão altos como agora. “A carne aumentou, no ano passado, em Fevereiro, por esta altura, devido à guerra, mas há aumentos todas as semanas. A carne de porco, nos últimos tempos, é a que tem aumentado mais, mas a de vitela também aumenta muito. Já me disseram que volta a aumentar esta semana”, referiu, dizendo que “em algumas carnes, como bifes e peitos de frango e peru, o preço quase duplicou. Perante o cenário, o talhante diz que não compreende o facto de alguns fornecedores, que abastecem talhos e supermercados, estarem a fazer preços mais baratos às grandes superfícies. “Possivelmente, tem a ver com a quantidade. Quanto mais se compra mais barato fica”, contudo, “nos supermercados a carne, tendencialmente, é mais cara do que nos talhos”. Neste quadro de inflação há coisas que não batem certo. O preço da carne está mais caro, mas os criadores da região dizem que não estão a ganhar à proporção do que agora pagamos nos espaços onde esta se vende. Afinal, quem ganha com estes preços? Bem, para Filipe Fernandes, antes de mais, “o agricultor, infelizmente, tem pouco apoio” e, depois, o que acontece, é que aqui “não há carne suficiente para abastecer os talhos da região e, assim, tem que vir carne de outros locais, nomeadamente do estrangeiro”. Os talhos e supermercados, para estar de portas abertas, têm que ter o que vender. Não o arranjando aqui vão a outros pontos buscá-lo. Portanto, os criadores locais vendem ao preço que, muitas vezes, calha, por não conseguir competir. Com os preços a subir e os ordenados, há algum tempo, praticamente iguais, o que acontece é simples: as pessoas deixam de comprar tanto. “As pessoas compram menos. Há muita gente que já está a cortar à quantidade daquilo que compra. Já se nota muito”, esclareceu Filipe Fernandes, que disse que, hoje em dia, “as pessoas levam um bifinho ou dois, três costeletas, enfim, depende das pessoas que vivem em casa”, mas “levam bem menos”. E se os preços estão altos… será que daqui para a frente os vamos ver descer? “Não. Acredito bem mais que subam”, vincou o talhante, que acredita que a escalada continue porque “não há quantidade suficiente no concelho nem no distrito”.
“Compram em menos quantidade”
Há 30 anos que João Lavadouro é proprietário de um talho, em Bragança. “Isto nunca se tinha visto”, disse, questionado sobre o aumento de preços. “Compro gado esta semana a um preço e para a semana já é outro preço, mais caro”, explicou. O talhante tem a mesma opinião que Filipe Fernandes, “há pouco gado”. E por aqui também “tem subido tudo”. “Não há nada que não suba”, disse o talhante, que esclareceu que por ali não têm aparecido tantos clientes como há uns anos porque, na verdade, “não há gente”, há “bem menos”… mas os que aparecem, porque aparecer sempre aparecem, caso contrário não valia a pena continuar com o negócio, “compram em menos quantidade” e “carne mais barata”. Pelo que nota, “há gente já a cortar àquilo que come”. Ainda assim, o que se nota é que “havia aquelas pessoas que iam, todos os dias, almoçar ao restaurante e agora já não vão. Preferem vir ao talho e comprar para comer em casa. Mas não carregam muito o carro, digamos”, assumiu João Lavadouro. As pessoas dizem que “os preços estão muito caros e que assim não dá”, mas “os preços não vão descer” porque “há pouco gado e há muita procura”. O talhante diz que não gasta carne estrangeira. Assume que nunca foi hábito e agora muito menos porque, “pelo que sabe, também anda muito cara e então não vale a pena”. Ora, assim sendo, para vender apenas o que é da região é, dando primazia ao que é nosso, João Lavadouro diz que paga vitelos “muito caros”. “Estou a pagar a seis euros o quilo. Antigamente pagava a quatro, às vezes nem a esse preço chegava”, explicou. Já os porcos não são comprados a criadores locais. Haver quem os crie até há. Mas uma ou duas explorações não chegam para abastecer os talhos da cidade. Portanto, vêm todos do matadouro, “não há outra hipótese”. Esta carne, há pouco tempo, era paga a cerca de um euro e meio o quilo. Agora está quase no triplo. “Ainda assim, o porco andou mais quieto do que a vitela. Além de aumentar muitas vezes, não aumentou tantas. A vitela aumenta todas as semanas”, vincou. João Lavadouro, além de talhante, também cria vitelos, portanto percebe quem vende os animais e depois quem vende a carne. Se o criador ganhar um euro a mais por quilo de carne claro que “não é nada”, já que “tudo subiu”, desde o gasóleo, aos adubos e forragens. Mas, “se pagam um euro a mais ao lavrador, não se pode subir só esse euro, no talho, porque a carcaça depois, sem gordura e ossos, fica a meio, ao passo que aos criadores se compra tudo”.
JORNAL NORDESTE