Uma geração mais nova, entre os habitantes de Miranda do Douro, mostra esperança na sobrevivência da língua mirandesa e apela à salvaguarda deste idioma que pode estar perdido dentro de 20 anos, segundo um estudo da Universidade de Vigo.
A reportagem da agência Lusa neste concelho do distrito de Bragança encontrou "gente jovem que se mostra apaixonada pela língua e pela cultura mirandesas", que se sente "mais livre" por falar mirandês e que diz que "é fixe" aprendê-lo, apesar de ser a sua faixa etária a mais afetada pelos fatores que põem esta língua em risco.
O mirandês, porém, está numa situação "muito crítica", devido ao abandono desta forma de falar por parte de entidades públicas e privadas, segundo as conclusões de um estudo elaborado pela Universidade de Vigo (UVigo), em Espanha, revelado pela Lusa no passado mês de fevereiro.
Lançado no terreno em 2020, o estudo estimou em cerca de 3.500 o número de pessoas que conhecem a língua, com cerca de 1.500 a usá-la regularmente, identificando uma rotura com este idioma, sobretudo nas gerações mais novas, através de uma "forte portugalização linguística", assente em particular na profusão dos meios de comunicação nas últimas décadas, e na identificação do mirandês com a ruralidade e a pobreza locais.
O empresário Henrique Granjo, 30 anos, dirigente da Associação Recreativa da Juventude Mirandesa, disse à Lusa que o estudo recentemente apresentado "é real" e não se pode negar "esta ameaça", mas ainda se vai a tempo de contrariar esta tendência que paira sobre o mirandês.
"Há gente jovem que se mostra apaixonada pela língua e cultura mirandesas. Há pessoas que regressam às origens e ainda vamos contrariar as tendências reveladas neste estudo. Para travar toda esta realidade será importante um forte investimento das entidades públicas na salvaguarda do idioma", vincou o empresário e dirigente associativo.
Henrique Granjo refere ainda que, se houver investimento na salvaguarda da língua mirandesa nas próximas duas décadas, a situação poderá estar acautelada: "É importante investir em setores como a educação e cultura que são os patamares para a preservação do mirandês aos quais acrescem medidas concretas para dinamização do interior para assim contornar as indicações do estudo divulgado".
Leonor Gomes e Leonor Martins são suas jovens estudantes de 10.º ano de escolaridade que mostram orgulho na sua cultura e na sua língua, por ser uma herança cultural dos seus antepassados, e sentem vaidade em falar mirandês, apesar de, por vezes, esta forma de comunicar não ser bem entendida por outros grupos de jovens de outras regiões do país.
"Ao falar mirandês sinto-me mais livre e mais rural. Sinto-me como se estivesse na pele dos meus avós e na tranquilidade de uma aldeia mirandesa", confessou Leonor Gomes.
Leonor Martins, por seu lado, afiança que está habituada a que as pessoas com mais idade falem sempre em mirandês e por vezes "é fixe" também aprender a língua.
As duas jovens não demonstram dúvidas na perpetuação do mirandês e justificam que se trata de uma tradição que tem raízes num passado que faz parte de uma identidade cultural única.
"São as nossas origens, e não queremos perdê-las. É algo que nasceu connosco e faz parte da história dos nossos antepassados e da nossa terra, e temos receio que a língua mirandesa desapareça, porque cada vez mais o idioma não é falado no dia-a-dia", argumentam as jovens estudantes, que também aprendem mirandês na escola.
Apesar de se identificarem com a língua mirandesa, o mais natural para estas duas jovens "é falar português".
No reverso da medalha, estão os mais velhos e o abandono das aldeias. Se para os jovens com quem a Lusa falou, o mirandês ainda poderá ter salvação, para os mais velhos, embora a língua ainda faça parte do seu quotidiano, a condenação parece impor-se, com o desaparecimento de pessoas das aldeias raianas.
O despovoamento de localidades do concelho de Miranda do Douro como São Martinho, Cicouro, Constantim, Aldeia Nova e Ifanes, circunscreve o mirandês ao ambiente familiar e a conversas de circunstância entre amigos. E é essa a perspetiva dos seus habitantes.
É por estas paragens, na parte mais interior de Portugal, que o mirandês ainda vai mantendo alguma expressão, como reconhece Duarte Cristal, de 63 anos, residente em São Martinho, que sempre foi dizendo como esta língua faz parte do seu dia-a-dia, falada em ambiente familiar.
Para este habitante da raia mirandesa, um dos principais inimigos do mirandês é a baixa taxa de natalidade: "Se não houver novas gerações de falantes, a língua mirandesa poderá estar mesmo condenada" e não ter continuidade, "por causa do abandono das aldeias por pessoas que procuram a vida noutras paragens".
Domingos Torrão, um octogenário de Cicouro, fez questão de responder às questões da Lusa em mirandês.
"Há cerca de duas décadas, o mirandês era bem aceite. Falávamos muito o mirandês aqui na raia. Agora, cada vez somos menos, e a este ritmo, e apesar de ser a segunda língua oficial em Portugal, o risco é iminente", frisou este falante da língua mirandesa.
Para a UVigo, a manter-se a situação, "a este ritmo é possível que o mirandês morra antes [dos próximos] 30 anos", conservando-se apenas como "um latim litúrgico para celebrações", sem ser "língua para viver a diário", como se lê no estudo que ainda não tem data para apresentação oficial.
A língua mirandesa é uma língua oficial de Portugal desde 29 de janeiro de 1999, data em que foi publicada em Diário da República a lei que reconheceu oficialmente os direitos linguísticos da comunidade mirandesa.
Renascença